Pirapora – porto extremo da navegação a vapor
Todos se lembram, com saudade, dos gaiolas nas águas de Pirapora. Mas muitos não se recordam porque, como e quando Pirapora passou a ser o ponto limite da navegação dos vapores. Narramos este fato histórico aqui.
O Parlamento brasileiro, por meio da Lei no 3.349, de 20-10-1887, autorizou o Poder Executivo a contratar com particulares ou companhia que para tal fim se organizasse a navegação a vapor do Rio das Velhas, desde Sabará (MG) até a confluência no São Francisco, bem como a do São Francisco desde a barra do Rio das Velhas até o extremo da parte já desobstruída e da que vier a ser desobstruída pelo Estado entre o alto da cachoeira do Sobradinho, na Bahia, e Jatobá, em Pernambuco, estação terminal da Estrada de Ferro de Paulo Afonso.
De acordo com as cláusulas que foram baixadas junto com o Decreto no 9.964, de 6-6-1888 (em consonância com a citada Lei no 3.349), a princesa Isabel concedeu a três concessionários o monopólio por dez anos para a navegação a vapor do Rio das Velhas, a partir da cidade de Sabará até o ponto terminal antes citado. Firmou-se com os três concessionários o contrato de 23-6-1888 (mais tarde transferido para a Empresa Viação do Brasil) contendo as mesmas cláusulas do mencionado Decreto no 9.964.
A navegação estava prevista para começar em Sabará antes de 23‑6‑1891. Em 25‑7‑1891, o Decreto no 458 prorrogou até 23‑6‑1892, a data limite para a abertura da linha de navegação. Posteriormente, o Congresso Nacional autorizou ao Poder Executivo rever o contrato de navegação a vapor do Médio São Francisco e Rio das Velhas, com o fim de conceder nova prorrogação, por mais um ano, para o início da navegação oficial, bem como de fixar, se julgasse conveniente, a barra do Paraúna como ponto inicial da navegação do Rio das Velhas (Decreto no 118, de 5-11-1892). Em 25‑2‑1893, o governo federal e a Empresa Viação do Brasil, usando da faculdade aludida, acordaram em inovar o contrato celebrado a 23‑6‑1888. De acordo com as alterações contratuais de fevereiro de 1893, para a finalidade de inauguração do serviço da navegação oficial e regular, foi concedida a dilação do prazo até 5 de novembro de 1893 àquela empresa cessionária. Os pontos extremos da navegação passaram a ser no Rio das Velhas, a barra do Paraúna; e no São Francisco, a cidade de Juazeiro (BA). Este último limite esperava-se temporário, valendo somente enquanto não fossem terminadas pelo governo da União as obras de desobstrução do São Francisco até Jatobá (PE). Concluídos aqueles trabalhos, o trecho adicional seria entregue à cessionária para ser trafegado, nos termos do contrato de 23-6-1888.
Em 15-6-1889, foi fundada no Rio de Janeiro, então sede do governo imperial, a Companhia Viação Central do Brasil com o objetivo de realizar, no Rio das Velhas e no São Francisco, o transporte de passageiros e cargas, com caráter de regularidade. Depois, a companhia passou a denominar-se Banco Viação do Brasil (6‑9‑1890), denominação que manteve até 13‑1‑1893, quando mudou outra vez o nome para Empresa Viação do Brasil. Em 14 de janeiro de 1894 ocorreu a inauguração, oficial, do tráfego com um navio-gaiola da empresa navegando o Rio das Velhas e o São Francisco, desde a barra do Rio Paraúna, em Minas, até Juazeiro, na Bahia.
Em 16-12-1897, através da Lei no 490, o Poder Legislativo autorizou ao Poder Executivo dispensar a Empresa Viação do Brasil da navegação do trecho entre Paraúna e Guaicuí, significando, em outras palavras, eximi-la completamente do encargo de realizar a navegação em qualquer percurso do Rio das Velhas. Porém, a companhia poderia (a critério do governo) passar a ter a obrigação de efetuar duas viagens mensais entre os portos de Pirapora (MG) e Juazeiro (BA), em vez de uma, como determinava antes o seu contrato. Relativamente à dispensa no percurso de Paraúna a Guaicuí e à realização de duas viagens por mês, a Lei no 490 não era mandatória, mas facultativa; o Legislativo não estava obrigando o Executivo, mas apenas concedendo-lhe permissão para fazer, permissão que o governo poderia acolher ou não dependendo de sua livre decisão.
Atendendo ao que requereu a Empresa Viação do Brasil, e usando da autorização contida na mencionada lei, o presidente da República, através do Decreto no 3.015, de 26-9-1898, resolveu modificar os contratos celebrados para a navegação dos rios das Velhas e São Francisco. Este decreto estipulou que a empresa estava dispensada da navegação do Rio das Velhas entre Paraúna e Guaicuí. Além disso, passava a ficar obrigada a efetuar duas viagens mensais entre os portos de Pirapora e Juazeiro, em vez de uma determinada no seu contrato de 23-6-1888 então vigente. Mas, como o Decreto no 3.015 era manifestação unilateral da vontade governamental, o ordenamento jurídico exigia a formalização de um contrato bilateral para alterar o anterior. Por isso, o termo de modificação do contrato antigo, com as cláusulas acima especificadas, foi assinado no dia 25 de outubro de 1898 pelo ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas e o presidente da Empresa Viação do Brasil, terminando, naquela data, oficialmente, a navegação a vapor do Rio das Velhas no século XIX, conforme o original, manuscrito, que localizamos no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
Como sabemos, o percurso Pirapora—Juazeiro veio a ficar famoso
na história da navegação a vapor do São Francisco, porque nesse trecho os
navios trafegaram com regularidade, durante anos. Em virtude disso, é
importante enfatizar que foi exatamente o Decreto no 3.015,
de 26-9-1898, (e o contrato de 25-10-1898), que fixou Pirapora e Juazeiro como
os pontos extremos da navegação, em caráter definitivo, enquanto todas as
outras normas legais antecedentes estipulavam, como um dos limites do trajeto,
algum local do Rio das Velhas e, como o outro extremo, até a parte já
desobstruída pelo Estado e a que for sendo melhorada até Jatobá,
Em resumo, é a partir do dia 25 de outubro de 1898 que Pirapora passa a ser oficialmente o porto extremo da navegação a vapor do Rio São Francisco, porque a Empresa Viação do Brasil não conseguiu realizar, com regularidade, o tráfego no Rio das Velhas, nem a começar da cidade de Sabará, nem da barra do Rio Paraúna.
Fernando da Matta Machado
Artigo publicado no jornal CORRENTE, de Pirapora, Minas Gerais, de 15 de agosto de 2003, página 17, milésima edição. Texto feito especialmente para a milésima edição daquele jornal.
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Machado.
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Rio de Janeiro (RJ), 21 de agosto de 2008